Matéria: Revista Nova Escola
ESTEBAN LEVIN '' O corpo ajuda o
aluno a aprender''
O Psicomotricista argentino sugere
que os movimentos corporais sejam incluídos nas atividades de todas as
disciplinas
Paola Gentile
(pagentile@fvc.org.br)
Ao colocar o corpo e os gestos no
centro do desenvolvimento infantil, os estudos sobre psicomotricidade estão
ajudando a pedagogia a renovar-se e a definir novos princípios para o ensino.
Suas primeiras linhas começaram a ser traçadas pelo psicólogo e filósofo
francês Henry Wallon (1879-1962) em meados dos anos 1920, quando ele introduziu
a idéia de que o movimento do corpo tem caráter pedagógico, tanto pelo gesto em
si quanto pelo que a ação representa. Na década de 1950, a psicomotricidade
ganhou um campo definido de pesquisa. O psiquiatra Julián de Ajuriaguerra,
considerado o pai dessa nova área do conhecimento, definiu-a como sendo a
ciência da saúde e da educação, visando a representação e a expressão motora.
Hoje, o psicólogo e professor de
Educação Física argentino Esteban Levin é um dos pesquisadores que mais
contribuem com seus estudos nesse campo. O corpo, os movimentos e a imagem que
se tem desse corpo são fundamentais na aprendizagem e na formação geral do
adulto, afirma. Nesta entrevista à ESCOLA concedida durante o 9º Congresso
Brasileiro de Psicomotricidade, realizado em outubro do ano passado em Olinda
(PE) , Levin explica como o educador pode explorar a agitação natural da
criança para ensiná-la a ler e a escrever, para alfabetizá-la matematicamente e
também para que ela aprenda as mais diversas disciplinas escolares.
ESCOLA: Por que o movimento
corporal é importante no processo de aprendizagem?
LEVIN: O corpo e os gestos são
fundamentais para a formação geral do ser humano. Desde que nasce, a criança
usa a linguagem corporal para conhecer a si mesma, para relacionar-se com seus
pais, para movimentar-se e descobrir o mundo. Essas descobertas feitas com o
corpo deixam marcas, são aprendizados efetivos, incorporados.
Na verdade, são tesouros que
guardamos e usamos como referência quando precisamos ser criativos em nossa
profissão e resolver problemas cotidianos. Os movimentos são saberes que
adquirimos sem saber, mas que também ficam à nossa disposição para serem
colocados em uso.
ESCOLA: A escola costuma
considerar o corpo no processo de aprendizagem?
LEVIN: Durante a Educação
Infantil, a necessidade de movimentar-se é mais respeitada pela escola: o corpo
é usado em brincadeiras, em atividades de arte, de música etc. A criança pode correr
pular, espreguiçar-se sem censura alguma. O problema é na passagem para a 1ª
série. Geralmente, os professores exigem uma postura totalmente diferente da
que era permitida até então. Com 7 anos, os alunos são colocados em carteiras,
precisam ficar quietos, supostamente prestando atenção no mestre -- forma pela
qual estaria incorporando os conteúdos. Ele chega ao absurdo de, muitas vezes,
pedir que eles desenhem a si mesmos dançando ou subindo em árvores! Ele
deveria, antes disso, deixá-los experimentar essas atividades. Os momentos de
usar o corpo ficam restritos à hora do recreio e às aulas de Educação Física. É
como se a escola dissesse ao aluno: na pré-escola, você brinca; na 1a série,
começa a estudar. Mas o estudo deveria estar totalmente ligado ao movimento
corporal.
ESCOLA: O que pode acontecer a
uma criança que é obrigada a ficar sentada muito tempo?
LEVIN: A obrigação de deixar o
corpo estático, sem movimento, pode ser uma das causas da hiperatividade -- um
dos distúrbios de aprendizagem mais comuns hoje em dia --, de manias e de
comportamentos repetitivos sem significado. Pode ser também um dos componentes
de quadros de anorexia, de bulimia e de depressão infantil. Isso sem falar das
dores corporais que a falta de atividade às vezes traz.
ESCOLA: Como o corpo deve ser
usado durante a aula?
LEVIN: É muito mais fácil para os
pequenos aprender, por exemplo, as letras A, B ou C brincando com o corpo,
representando-as deitados no chão em grupos de dois ou três, do que sentados em
frente ao quadro-negro.
E isso é possível acontecer com
palavras, conceitos, teorias... Em Matemática, por que o professor não propõe
brincadeiras do tipo caça ao tesouro ou esconde-esconde de folhas? Com elas, a
criança vai ter de encontrar as plantas escondidas na escola, enumerá-las,
manipulá-las e classificá-las. Se a turma gosta de futebol, por que não formar
times para disputar um torneio, fazer tabelas, calcular resultados, ler e
escrever histórias interessantes sobre esse esporte?
ESCOLA: Os movimentos corporais
devem ser valorizados pelos professores de todas as séries?
LEVIN: Incentivar uma relação
saudável com o próprio corpo e o uso dele na aprendizagem são práticas que
deveriam ser cultivadas por toda a escolaridade. Mas até o início da puberdade,
por volta dos 12 ou 13 anos, elas são determinantes. Até essa fase a criança
vive pela primeira vez as mais diversas experiências: ela vai conhecer os
números, a regra de três, a leitura, a escrita, o ensino de História... Quando
alguma coisa acontece pela primeira vez, precisa ser marcante e positiva, para
deixar boas recordações, ainda que inconscientes. O uso do corpo permitirá que
essas lembranças sejam prazerosas e a pessoa vai associar o aprendizado a
sensações gostosas.
ESCOLA: A necessidade de
movimento coloca a Educação Física em destaque entre as disciplinas escolares?
LEVIN: Com certeza, desde que o
professor especialista preste atenção no desenvolvimento psicomotor da
garotada. O perigo é esse profissional olhar somente para a eficácia do corpo,
o seu desempenho em esportes e nas atividades propostas.
ESCOLA: O que os professores de
todas as disciplinas podem fazer para ajudar no bom desenvolvimento psicomotor?
LEVIN: Como não existe apenas uma
forma de aprender, é obrigação dos educadores oferecer várias opções para a
criança adquirir conhecimento. Por isso, eles devem abrir-se para o uso do
movimento corporal como um recurso eu diria muito eficiente de ensino e de
aprendizagem. O melhor seria que o docente de Matemática, por exemplo, pudesse
trocar experiências com o colega de Educação Física: tanto o primeiro
aprenderia sobre o corpo quanto o outro sobre números e raciocínio matemático.
Tenho certeza de que ambos teriam idéias fantásticas e desenvolveriam exercícios
e materiais reunindo as duas áreas do conhecimento.
ESCOLA: Deficientes físicos
também podem usar o corpo para aprender?
LEVIN: Portadores de deficiência
constroem a imagem do próprio corpo como qualquer outra pessoa. Eles têm
dificuldades em usar o corpo, mas, se tiverem consciência disso, conseguem
superá-las e aprender com as restrições. O que não pode é fingir que o problema
não existe. O ideal seria conversar sobre as limitações e que juntos, aluno e
professor, criassem atividades inclusivas.
ESCOLA: Hoje a televisão e o
computador ocupam mais o tempo da criança do que as brincadeiras em grupo. Isso
é prejudicial?
LEVIN: A experiência da infância
mudou. Hoje existem esses novos brinquedos, que estão à disposição 24 horas. No
meu país, a Argentina, calcula-se que as crianças fiquem entre cinco e oito
horas por dia na frente da televisão ou na internet, em chats ou em jogos
eletrônicos. E se freqüentarem uma escola que as obriguem a ficar sentadas em
carteiras mais quatro ou cinco horas? Quando vão usar o corpo? O problema é que
a televisão e o computador não propiciam a interação física nem com pessoas nem
com objetos. Uma coisa é reconhecer um cachorro, pesquisar sobre sua espécie
etc. Outra é brincar com o animal. No primeiro caso pode até existir um certo
conhecimento, mas não há experiência corporal. O contato direto com os objetos
e a interação com o outro promovem brincadeiras que geram curiosidade,
inquietação, necessidade de movimentar-se e, no final, um aprendizado mais
efetivo.
ESCOLA: A infância, enquanto
período de brincadeira, está acabando?
LEVIN: Há quem defenda esse ponto
de vista afirmando que cada vez mais as crianças estão tendo preocupações que
deveriam ser dos mais velhos, como ter sucesso e bom desempenho. Pessoalmente,
acredito que a infância não acabou, mas está mudando radicalmente. As crianças
de hoje não são as mesmas estudadas por Jean Piaget ou qualquer outro teórico
da educação ou da pediatria.
ESCOLA: As teorias sobre a
infância precisam ser revistas?
LEVIN: É necessário repensar
teorias e práticas, sim. Um bebê que com 10 meses mexe com controle remoto e,
quando mais velho, passa horas na frente da televisão certamente vai ser um
adulto com características bem diferentes daquele que cresceu brincando com amigos
e manipulando objetos. Como será esse adulto sem a experiência do brincar
corporal? Ainda não sabemos, mas precisamos começar a nos preocupar com isso.
ESCOLA: A sociedade valoriza a
criança que amadurece mais rápido?
LEVIN: Tanto valoriza que os próprios
pais exigem da escola atividades de gente grande. Crianças de 2 anos têm aulas
de língua estrangeira e de computação. É um absurdo!
ESCOLA: Que tipo de conhecimento
o professor precisa ter para unir com eficiência o uso do corpo ao processo de
aprendizagem?
LEVIN: Basta colocar a busca pelo
saber acompanhada de movimento. É importante também que o docente recupere a
sua história, os seus desejos infantis. Ele pode perguntar-se, por exemplo,
qual o motivo que o levou a querer dedicar sua vida ao trabalho com crianças.
Com certeza algo de sua infância foi marcante para ele optar por ensinar os
pequenos. Assim, resgata alguns de seus desejos infantis, e isso vai ajudá-lo a
compreender muito melhor as necessidades da turma.
Foto: Gilvan Barreto/Ag. Lumiar
A obrigação de deixar o corpo
estático pode ser uma das causas da hiperatividade, da depressão e da anorexia.
ESTEBAN LEVIN
é psicólogo, psicomotricista e
professor de Educação Física. É orientador dos cursos de pós-graduação na
Universidade de Psicologia de Buenos Aires, da Universidade de Lomas de Zamora,
também na capital argentina, e da Universidade Federal de Fortaleza. Como supervisor
de equipes clínicas e hospitalares, realiza diversas pesquisas nas áreas de
psicomotricidade, estimulação precoce, psicopedagogia, psicologia e terapia
ocupacional.
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