quarta-feira, 5 de junho de 2013

"Corpo ajuda o aluno a aprender"

Matéria:  Revista Nova Escola

ESTEBAN LEVIN '' O corpo ajuda o aluno a aprender''

O Psicomotricista argentino sugere que os movimentos corporais sejam incluídos nas atividades de todas as disciplinas
Paola Gentile (pagentile@fvc.org.br)

Ao colocar o corpo e os gestos no centro do desenvolvimento infantil, os estudos sobre psicomotricidade estão ajudando a pedagogia a renovar-se e a definir novos princípios para o ensino. Suas primeiras linhas começaram a ser traçadas pelo psicólogo e filósofo francês Henry Wallon (1879-1962) em meados dos anos 1920, quando ele introduziu a idéia de que o movimento do corpo tem caráter pedagógico, tanto pelo gesto em si quanto pelo que a ação representa. Na década de 1950, a psicomotricidade ganhou um campo definido de pesquisa. O psiquiatra Julián de Ajuriaguerra, considerado o pai dessa nova área do conhecimento, definiu-a como sendo a ciência da saúde e da educação, visando a representação e a expressão motora.
Hoje, o psicólogo e professor de Educação Física argentino Esteban Levin é um dos pesquisadores que mais contribuem com seus estudos nesse campo. O corpo, os movimentos e a imagem que se tem desse corpo são fundamentais na aprendizagem e na formação geral do adulto, afirma. Nesta entrevista à ESCOLA concedida durante o 9º Congresso Brasileiro de Psicomotricidade, realizado em outubro do ano passado em Olinda (PE) , Levin explica como o educador pode explorar a agitação natural da criança para ensiná-la a ler e a escrever, para alfabetizá-la matematicamente e também para que ela aprenda as mais diversas disciplinas escolares.
ESCOLA: Por que o movimento corporal é importante no processo de aprendizagem?
LEVIN: O corpo e os gestos são fundamentais para a formação geral do ser humano. Desde que nasce, a criança usa a linguagem corporal para conhecer a si mesma, para relacionar-se com seus pais, para movimentar-se e descobrir o mundo. Essas descobertas feitas com o corpo deixam marcas, são aprendizados efetivos, incorporados.
Na verdade, são tesouros que guardamos e usamos como referência quando precisamos ser criativos em nossa profissão e resolver problemas cotidianos. Os movimentos são saberes que adquirimos sem saber, mas que também ficam à nossa disposição para serem colocados em uso.
ESCOLA: A escola costuma considerar o corpo no processo de aprendizagem?
LEVIN: Durante a Educação Infantil, a necessidade de movimentar-se é mais respeitada pela escola: o corpo é usado em brincadeiras, em atividades de arte, de música etc. A criança pode correr pular, espreguiçar-se sem censura alguma. O problema é na passagem para a 1ª série. Geralmente, os professores exigem uma postura totalmente diferente da que era permitida até então. Com 7 anos, os alunos são colocados em carteiras, precisam ficar quietos, supostamente prestando atenção no mestre -- forma pela qual estaria incorporando os conteúdos. Ele chega ao absurdo de, muitas vezes, pedir que eles desenhem a si mesmos dançando ou subindo em árvores! Ele deveria, antes disso, deixá-los experimentar essas atividades. Os momentos de usar o corpo ficam restritos à hora do recreio e às aulas de Educação Física. É como se a escola dissesse ao aluno: na pré-escola, você brinca; na 1a série, começa a estudar. Mas o estudo deveria estar totalmente ligado ao movimento corporal.
ESCOLA: O que pode acontecer a uma criança que é obrigada a ficar sentada muito tempo?
LEVIN: A obrigação de deixar o corpo estático, sem movimento, pode ser uma das causas da hiperatividade -- um dos distúrbios de aprendizagem mais comuns hoje em dia --, de manias e de comportamentos repetitivos sem significado. Pode ser também um dos componentes de quadros de anorexia, de bulimia e de depressão infantil. Isso sem falar das dores corporais que a falta de atividade às vezes traz.
ESCOLA: Como o corpo deve ser usado durante a aula?
LEVIN: É muito mais fácil para os pequenos aprender, por exemplo, as letras A, B ou C brincando com o corpo, representando-as deitados no chão em grupos de dois ou três, do que sentados em frente ao quadro-negro.
E isso é possível acontecer com palavras, conceitos, teorias... Em Matemática, por que o professor não propõe brincadeiras do tipo caça ao tesouro ou esconde-esconde de folhas? Com elas, a criança vai ter de encontrar as plantas escondidas na escola, enumerá-las, manipulá-las e classificá-las. Se a turma gosta de futebol, por que não formar times para disputar um torneio, fazer tabelas, calcular resultados, ler e escrever histórias interessantes sobre esse esporte?
ESCOLA: Os movimentos corporais devem ser valorizados pelos professores de todas as séries?
LEVIN: Incentivar uma relação saudável com o próprio corpo e o uso dele na aprendizagem são práticas que deveriam ser cultivadas por toda a escolaridade. Mas até o início da puberdade, por volta dos 12 ou 13 anos, elas são determinantes. Até essa fase a criança vive pela primeira vez as mais diversas experiências: ela vai conhecer os números, a regra de três, a leitura, a escrita, o ensino de História... Quando alguma coisa acontece pela primeira vez, precisa ser marcante e positiva, para deixar boas recordações, ainda que inconscientes. O uso do corpo permitirá que essas lembranças sejam prazerosas e a pessoa vai associar o aprendizado a sensações gostosas.
ESCOLA: A necessidade de movimento coloca a Educação Física em destaque entre as disciplinas escolares?
LEVIN: Com certeza, desde que o professor especialista preste atenção no desenvolvimento psicomotor da garotada. O perigo é esse profissional olhar somente para a eficácia do corpo, o seu desempenho em esportes e nas atividades propostas.
ESCOLA: O que os professores de todas as disciplinas podem fazer para ajudar no bom desenvolvimento psicomotor?

LEVIN: Como não existe apenas uma forma de aprender, é obrigação dos educadores oferecer várias opções para a criança adquirir conhecimento. Por isso, eles devem abrir-se para o uso do movimento corporal como um recurso eu diria muito eficiente de ensino e de aprendizagem. O melhor seria que o docente de Matemática, por exemplo, pudesse trocar experiências com o colega de Educação Física: tanto o primeiro aprenderia sobre o corpo quanto o outro sobre números e raciocínio matemático. Tenho certeza de que ambos teriam idéias fantásticas e desenvolveriam exercícios e materiais reunindo as duas áreas do conhecimento.
ESCOLA: Deficientes físicos também podem usar o corpo para aprender?
LEVIN: Portadores de deficiência constroem a imagem do próprio corpo como qualquer outra pessoa. Eles têm dificuldades em usar o corpo, mas, se tiverem consciência disso, conseguem superá-las e aprender com as restrições. O que não pode é fingir que o problema não existe. O ideal seria conversar sobre as limitações e que juntos, aluno e professor, criassem atividades inclusivas.
ESCOLA: Hoje a televisão e o computador ocupam mais o tempo da criança do que as brincadeiras em grupo. Isso é prejudicial?
LEVIN: A experiência da infância mudou. Hoje existem esses novos brinquedos, que estão à disposição 24 horas. No meu país, a Argentina, calcula-se que as crianças fiquem entre cinco e oito horas por dia na frente da televisão ou na internet, em chats ou em jogos eletrônicos. E se freqüentarem uma escola que as obriguem a ficar sentadas em carteiras mais quatro ou cinco horas? Quando vão usar o corpo? O problema é que a televisão e o computador não propiciam a interação física nem com pessoas nem com objetos. Uma coisa é reconhecer um cachorro, pesquisar sobre sua espécie etc. Outra é brincar com o animal. No primeiro caso pode até existir um certo conhecimento, mas não há experiência corporal. O contato direto com os objetos e a interação com o outro promovem brincadeiras que geram curiosidade, inquietação, necessidade de movimentar-se e, no final, um aprendizado mais efetivo.
ESCOLA: A infância, enquanto período de brincadeira, está acabando?
LEVIN: Há quem defenda esse ponto de vista afirmando que cada vez mais as crianças estão tendo preocupações que deveriam ser dos mais velhos, como ter sucesso e bom desempenho. Pessoalmente, acredito que a infância não acabou, mas está mudando radicalmente. As crianças de hoje não são as mesmas estudadas por Jean Piaget ou qualquer outro teórico da educação ou da pediatria.
ESCOLA: As teorias sobre a infância precisam ser revistas?
LEVIN: É necessário repensar teorias e práticas, sim. Um bebê que com 10 meses mexe com controle remoto e, quando mais velho, passa horas na frente da televisão certamente vai ser um adulto com características bem diferentes daquele que cresceu brincando com amigos e manipulando objetos. Como será esse adulto sem a experiência do brincar corporal? Ainda não sabemos, mas precisamos começar a nos preocupar com isso.

ESCOLA: A sociedade valoriza a criança que amadurece mais rápido?
LEVIN: Tanto valoriza que os próprios pais exigem da escola atividades de gente grande. Crianças de 2 anos têm aulas de língua estrangeira e de computação. É um absurdo!
ESCOLA: Que tipo de conhecimento o professor precisa ter para unir com eficiência o uso do corpo ao processo de aprendizagem?
LEVIN: Basta colocar a busca pelo saber acompanhada de movimento. É importante também que o docente recupere a sua história, os seus desejos infantis. Ele pode perguntar-se, por exemplo, qual o motivo que o levou a querer dedicar sua vida ao trabalho com crianças. Com certeza algo de sua infância foi marcante para ele optar por ensinar os pequenos. Assim, resgata alguns de seus desejos infantis, e isso vai ajudá-lo a compreender muito melhor as necessidades da turma.
Foto: Gilvan Barreto/Ag. Lumiar
A obrigação de deixar o corpo estático pode ser uma das causas da hiperatividade, da depressão e da anorexia.
ESTEBAN LEVIN
é psicólogo, psicomotricista e professor de Educação Física. É orientador dos cursos de pós-graduação na Universidade de Psicologia de Buenos Aires, da Universidade de Lomas de Zamora, também na capital argentina, e da Universidade Federal de Fortaleza. Como supervisor de equipes clínicas e hospitalares, realiza diversas pesquisas nas áreas de psicomotricidade, estimulação precoce, psicopedagogia, psicologia e terapia ocupacional.

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